quarta-feira, fevereiro 08, 2006

A Dança está a mudar em Portugal!!!



A verdade é que a dança está mesmo a mudar em Portugal!
Calculo que todos se lembrem do episódio recente de extinção do Ballet Gulbenkian, por parte do Conselho de Administração desta Fundação. No entanto, alguns destes bailarinos decidiram formar uma companhia – a Lisboa Ballet Contemporâneo (LBC) – e estiveram no Teatro Camões, entre 2 e 4 de Fevereiro, a apresentar um espectáculo dividido em 4 partes, 4 bailados, dois deles “Eu … Veronika?” e “Dreamland”, estreias mundiais.
Em termos de autonomia, esta Companhia afirma-se agora como companhia de reportório, de ballet contemporâneo, sendo que a Direcção Artística está a cargo do bailarino e coreógrafo Benvindo Fonseca (português, de origem moçambicana).
Assim, sábado à noite, lá estava eu, à espera de passar um serão agradável, sabendo, desde logo, que apesar de o ballet contemporâneo não ser o meu preferido, iria certamente ser surpreendida pela qualidade a que o Teatro Camões já me habituou, bem como, desejosa de ver estes bailarinos dançar.
Com o instinto quase animal a pulsar nas veias e nos corpos dos bailarinos, inicia-se “Eu … Veronika?” (coreografado por Gagik Ismailian, português de origem arménia) (sorte a minha que li o livro do Paulo Coelho e pude compreender a história por detrás da coreografia), com o tom depressivo e tresloucado presente muitas vezes nos espectáculos de ballet contemporâneo, mas que, neste caso, consegui absorver, pois conheço Veronika.
Seguiram-se os outros 3 bailados, com a qualidade dos cenários e da iluminação que os técnicos do Teatro Camões nunca descuram. Os bailarinos, dançando, com a precisão exacta do movimento contemporâneo baseado nas posições clássicas (fundamental), sempre no tempo, sempre no som mutante, que este tipo de ballet nos oferece.
Apesar de ter o costume de ver espectáculos de ballet clássico, já tinha visto alguns outros, de contemporâneo. E aqui estabeleço uma importante distinção, talvez não conceptualmente correcta, mas certamente perceptível: é que o ballet contemporâneo, como outros tipos de ballet, funda-se nas posturas e no rigor do clássico, sendo aquele adaptado às manifestações necessárias para “dançar os tempos de hoje”. O mesmo já não se pode dizer da dança contemporânea, que costuma mostrar-nos contemporâneo puro, normalmente acompanhado com um grande nível de abstracção que, por vezes, pode deixar o público insatisfeito, pelo menos, aqueles que estão habituados a assistir a bailados de qualidade. Não que não possa existir a coreografia apenas por ela mesma, e um grande exemplo, no clássico, é o caso de “Serenade”, de George Balanchine, que nos deixa em deleite e em harmonia com puras demonstrações de técnica e coreografia. Ou seja, nem sempre tem que existir “história”, ou mesmo uma história criada no campo da abstracção para haver dança; mas o público tem que perceber o que lhe está a ser transmitido e gostar e os bailarinos têm que ser, evidentemente, bons. E foi isso que eu senti ao ver a LBC, profissionais da dança que não esperaram que uma Fundação resolvesse a sua continuidade e que têm um grau de rigor técnico e artístico muito elevado; que me surpreenderam pelo seu amor à Dança, uma das mais sublimes (e muito importante em termos culturais, tanto ao nível da diversificação, como da complementaridade existente nos vários registos coreográficos, mas essencialmente porque é uma forma de explicar os dilemas das sociedades contemporâneas) manifestações de Arte.
A sala do Teatro Camões encheu, como, aliás, é usual. A CNB, companhia residente, recebeu a LBC, tal como tem vindo a fazer com outras companhias. Por entre o público, algumas caras já conhecidas dos habituées do Teatro, tanto “velhos” como “novos”; mas um público decisivamente mais jovem!
E assim foi, na mística da névoa, dos cheiros, dos registos musicais, que compreendi que Veronika vive porque sai do vazio que era ela, ficando sem saber quem é Veronika, afinal, mas sabendo que Veronika existe, e por isso não tem que morrer! Este bailado acaba quando ela sai do seu nada.
Depois de "Renacê", uma possante demonstração de Benvindo Fonseca, segue-se a estreia de "Dreamland", coreografado por Barbara Griggi (italiana, ex-bailarina e coreógrafa do Ballet Gulbenkian) que nos remete para outro registo de dança, mais teatral, ao som de Tom Waits.
Por fim, "Castañeda" (coreografado por Benvindo Fonseca), tira-nos completamente da depressão e da loucura de Veronika, do grandioso Renacê, qual Ravel e até do Bizarro engraçado que é “Dreamland”, e oferece-nos um bailado alegre, dedicado ao amor, à sua busca, à não resistência à felicidade, por mais que nos atinja o infortúnio, cheio de cor e sorrisos na expressão dos bailarinos. O misticismo da dança, mais uma vez nos arrebata, neste bailado carregado de emoções e de referências, quer ao ballet clássico (sempre base de trabalho), quer ao ballet flamenco, onde se mistura a cultura hispânica e árabe. A sedução da guitarra flamenca toca-nos o coração enquanto os bailarinos fazem pequenos sapateados (se bem que, sobre um chão de linóleo nem as melhores botas trazidas de Sevilla se conseguem fazer ouvir). O traço contemporâneo sempre presente, mas agora sobre o flamenco, com sucessivas “voltas quebradas” perfeitamente executadas. Um maravilhoso misturar de cores e cheiros, transporta-nos a um pas de deux em que um enorme candeeiro árabe é balançado de um bailarino para outro, tal as badaladas do tempo que passa, enquanto os bailarinos perfeitamente posicionados em palco dançam ao seu redor. Termina com alegria, esperança, rodopiando agora vários pares em torno deste candeeiro, não o deixando parar, momento precioso da demonstração da busca de vida e de alegria, que nunca deverá abandonar qualquer ser humano.

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